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Quanto vale um profissional de saúde, se ela é essencial?

Um dos efeitos da pandemia de covid-19 é nos obrigar a refletir sobre o que é, de fato, importante. O governo decreta quarentena e os privilegiados que podem trabalhar em casa cuidam para que o essencial não falte.

É preciso ter água, comida, produtos de limpeza e de higiene, delivery para imprevistos ou para a pizza de sexta à noite, professores online para manter o corpo e a mente desafiados, transporte para chegar ao hospital em caso de necessidade etc.

Quem pode ficar em casa nessas condições (e, ainda assim, reclama) deveria fazer um esforço para ser razoável. Nada se compara ao peso que os profissionais de saúde carregam dentro e fora dos hospitais. Gente exausta, em risco permanente de se infectar e de infectar seus familiares. E que, ainda assim, segue na batalha.

Trabalho vital e inseguro

O que há em comum entre a maioria dos trabalhadores da saúde e os cidadãos que garantem as entregas e o funcionamento do que é essencial? Ganham mal, são desvalorizados e expostos aos riscos e à sujeira dos quais queremos distância.

"A regra geral parece ser: quanto mais vital é o seu trabalho, mais baixa é a remuneração que você recebe, mais inseguro é o seu emprego e mais riscos você enfrenta na luta contra o coronavírus", escreve o historiador holandês Rutger Bregman, em artigo publicado na revista Time, no qual ele defende a ideia de que o momento para mudar o mundo é agora.

Lembrei desse texto ao ler os resultados de uma pesquisa que avaliou o impacto da covid-19 sobre os profissionais de saúde pública do Brasil, realizada pelo Núcleo de Estudos da Burocracia, da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), e divulgada pela Agência Bori.

Sem apoio e equipamentos

Mais de 1,4 mil profissionais de saúde, de todos os níveis de atenção e regiões do país, responderam às questões na segunda quinzena de abril.

Os pesquisadores não tratam de remuneração, mas os resultados indicam o desamparo e a falta de valorização dos profissionais de saúde. Alguns destaques:

64% dos participantes não se sentem preparados para lidar com a crise

77% dos médicos, 84% dos profissionais de enfermagem e 91% dos agentes comunitários de saúde e de combate às endemias têm medo de contrair o vírus

55% dos profissionais de saúde têm conhecido ou familiar que se infectou

37% dos médicos, 47% dos profissionais de enfermagem e 80% dos agentes comunitários de saúde e de combate às endemias disseram não ter recebido equipamentos de proteção individual (EPIs)

54% dos médicos, 58% dos profissionais de enfermagem e 89% dos agentes comunitários de saúde e de combate às endemias disseram não ter recebido treinamento para lidar com a pandemia.

Quem vai cuidar de quem cuida?

"A pesquisa mostra que os profissionais de quem mais dependemos para enfrentar a pandemia estão em situação de extrema vulnerabilidade", afirma a professora Gabriela Lotta, da FGV-SP. "O Brasil já lidera o ranking de mortes entre profissionais de saúde em decorrência da covid-19. Quem vai cuidar de quem precisa cuidar de nós?".

Segundo Gabriela, é muito grave a maneira como os profissionais estão sendo expostos ao novo coronavírus sem apoio, sem equipamento e sem informações. "É como se eles estivessem sendo jogados num confronto com vendas nos olhos e desarmados", afirma a pesquisadora.

Saúde em casa e nas ruas

A maioria dos participantes da pesquisa trabalha na Bahia (32%), em São Paulo (16%) e no Rio de Janeiro (14%). Cerca de 60% desempenham as funções de agente comunitário de saúde e de combate às endemias.

No conjunto das profissões do universo da saúde, esses agentes recebem algumas das mais baixas remunerações, mas a importância do trabalho que desempenham fica evidente nas crises sanitárias.

Com grande conhecimento do território em que atuam, eles percorrem casas e ruas para identificar necessidades de saúde, principalmente entre os mais vulneráveis. Assim como os profissionais que trabalham em hospitais, estão frequentemente expostos ao vírus e precisam de treinamento, equipamentos e valorização.

E depois da crise?

Em seu artigo para a Time, o historiador Rutger Bregman cita uma frase de Milton Friedman, um dos mais influentes economistas do século XX, escrita em 1982: "Somente uma crise — real ou percebida – produz mudanças verdadeiras. Quando essa crise ocorre, as ações tomadas dependem das ideias que estão por aí".

Se o imenso trauma provocado pela pandemia levar a sociedade a valorizar a vida e os profissionais que zelam por ela (com salários, recursos e organização – coisas que precisam ser custeadas por impostos), teremos a possibilidade de elevar a saúde brasileira a um outro patamar. Não o do sonho, mas o da dignidade.

Fonte: UOL

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